Gêmeos Siameses: Unidos para Sempre?

Dra. Silvia Helena Cardoso, PhD

Gêmeos siameses, ou gêmeos unidos congenitamente, são produtos de um único ovo fertilizado, de forma que eles são sempre identicos e do mesmo sexo. Esta condição particular dos gêmeos é extremamente rara, ocorrendo em um a cada 100.000 nascimentos. O desenvolvimento do embrião começa a se dividir em gêmeos idênticos dentro de duas semanas após a concepção. Entretanto, os processos param antes de se completarem, deixando um ovo parcialmente separado que se desenvolve em um feto unido ao outro.

O nascimento de dois bebês unidos é muito traumático. Aproximadamente 40-60% nascem mortos. A taxa de sobrevivência de gêmeos unidos é algo em torno de 5% e 25%. Registros históricos nos últimos 500 anos mostram que cerca de 600 pares de gêmeos sobreviveram, sendo que 70% resultaram em gêmeos do sexo feminino (uma taxa de 3:1). Se eles tiverem os órgãos separados, as chances para cirurgia e sobrevivência são maiores que se eles dividirem os mesmo órgãos.

As estatísticas mostram que eles ocorrem mais na África e Índia do que na China e Estados Unidos.

Por que o termo "Gêmeos Siameses"?

O termo "siameses" foi cunhado em alusão aos irmãos Chang e Eng, nascidos em 1811 no Sião (atual Tailândia), que eram ligados pelo apêndice xifóide (cartilagem localizada entre o peito e o abdomen). Por sua condição, eles faziam tours em circos por todo o mundo e em uma ocasião foram chamados pelo rei da China para uma visita. Fizeram consideravel fortuna com a exibição de seus corpos. Aos 32 anos, casaram-se com um par de irmãs. Cada um tinha a sua casa separadas por uma distância de 2.5 Km. Eles se alternavam a visitas de três dias com suas respectivas esposas e cada gêmeo foi pai de sete filhos. Chan, que era mais temperamental que Eng, começou a beber descontroladamente. Aos 59 anos Chan ficou paralítico. Quatro anos depois, durante a noite, ele morreu. Felizmente, Eng morreu três horas após.
 

Fotos mostrando dois períodos da vida dos gêmeos unidos congenitamente Eng e Chang de Sião  (atual Tailândia) nascidos em 1811 e falecidos em 1874. Sua fama mundial resultou no termo gêmeos siameses. Como resultado, o termo "gêmeo siamês" ficou estabelecido no mundo todo como a condição de ser um de um par de gêmeos unidos congenitamente.

Se Chang e Eng eram “aberrações” circenses no século passado,  na Índia do século XVI siameses eram queimados (veja imagem abaixo), e na Europa medieval eram sacrificados ao nascer. 

Gravura do século XVI mostrando o destino de siameses descobertos já adultos em uma aldeia do Punjab, Índia.


Gêmeos unidos na idade adulta, nos dias de hoje, praticamente não existem mais: são considerados como aberrações. Dependendo dos casos, podem ser separados logo após o nascimento, como outras centenas de casos conhecidos de separação cirúrgica registradas na história da medicina.

Atualmente esta condição vem sendo referida como "gêmeos unidos". Há também outro termo, mais erudito, para essa anormalidade: xifópago (do grego "xíphos", espada, + "pageis", unido). São xifópagos dois indivíduos que nascem unidos desde o apêndice xifóide até o umbigo. Em sentido figurado, diz-se de pessoas estreitamente ligadas por inclinação ou temperamento.

Tipos de gêmeos em geral

Para que se possa entender melhor o fenômeno dos gêmeos siameses, é preciso dar uma olhada no que se passa no momento da concepção. Há dois tipos de gêmeos. Os gêmeos fraternos são o resultado da fetilização de dois óvulos por dois espermatozóides, mas não é deste tipo em questão que falamos aqui.

O outro tipo de gêmeos é conhecido como monozigótigo e é o resultado da divisão de um único óvulo fertilizado por um único espermatozóide. Esses são os chamados "gêmeos idênticos" que sempre têm o mesmo sexo e composição genética. Se a divisão das células do embrião ocorrer logo nos primeiros dias, provavelmente os fetos se desenvolverão cada um na sua bolsa amniótica e poderão ter placentas separadas.

Se a divisão ocorrer entre o terceiro e sétimo dia após a fecundação (como ocorre na maioria dos casos) os fetos provavelmente dividirão a mesma placenta mas terão bolsas separadas. Nesse caso há cerca de 15% de chances de que os fetos sofram de problemas como a síndrome de transfusão feto-fetal. Do sétimo ao décimo terceiro dia após a fecundação, as chances são grandes de que os fetos dividam a mesma placenta e bolsa e então as chances de complicações como  o entrelaçamento dos cordões umbilicais ficam bem maiores. Em uma parcela bem pequena das gestações gemelares monozigóticas a divisão só ocorre após o décimo terceiro dia. Há então grandes chances de que gêmeos colados ou "siameses" sejam o resultado dessa divisão.

Tipos de gêmeos siameses

Os gêmeos siameses podem se classificar em diversos tipos:
 

Cefalópagos
União anterior da metade superior do corpo com duas faces sobre os lados opostos de uma cabeça unida. Algumas vezes o coração está envolvido. Extremamente raro. 

Craniotoracópagos
União da cabeça e tórax. Existe somente um cérebro e os corações e trato gastrointestinais estão fundidos. 

Cariópagos
Somente união craniana, cerca de 2% de todos os gêmeos unidos.

Dicéfalos
Refere-se a um corpo com duas cabeças.

Iscópagos
União anterior da metade inferior do corpo, cerca de 6% dos gêmeos unidos. O coração não está envolvido

Onfalópago
União anterior da metade inferior do corpo. Cerca de 6% de todos os gêmeos unidos. O coração não está envolvido.

Parápagos
União lateral da metade inferior, extendendo-se para a parte superior. Aproximadamente 5% de todos os gêmeos unidos. O coração algumas vezes está envolvido. 

Toracópagos
União anterior da metade superior do tronco. A forma mais comum de gêmeos unidos (cerca de 35%). Envolve sempre a divisão do coração.

Pigópagos
União posterior das nádegas. Cerca de 19% de todos os gêmeos unidos. Envolve sempre o umbigo.
Tabela baseada no Mutter Museum, Philadelphia, PA 

Em quais casos gêmeos unidos podem ser separados?

Dependendo da situação individual de cada par de gêmeos pode haver chance de separação cirúrgica após o nascimento.

Há casos em que as crianças nascem simentricamente unidas e não apresentam anomalias no nascimento, exceto nas áreas de fusão. Nestes casos, cada gêmeo tem tecido e órgãos suficientes para sobrevivência independente. Para tanto, a equipe médica examinará os bebês logo após o nascimento para descobrir se há um órgão vital (como coração e fígado) para cada gêmeo e eles têm chance de viver independentemente após a cirurgia. Há casos ainda em que a junção dos bebês ocorre em um membro como a perna, por exemplo. Esses gêmeos têm total possibilidade de passarem por uma cirurgia bem sucedida e sobreviverem separados, levando vidas normais.

Entretanto, no caso de gêmeos unidos assimetricamente, um é muito desenvolvido, mas o outro apresenta severas falhas de desenvolvimento, frequentemente com órgãos menores, dependendo, portanto, do gêmeo maior para nutrição ou mesmo dividindo um mesmo órgão vital. Neste caso, a separação significaria a perda de um dos gêmeos. O gêmeo subdesenvolvido pode ser cirurgicamente separado para que o seu irmão desenvolvido seja capaz de sobreviver.
 

É etico sacrificar um gêmeo para beneficiar o outro?

Quando gêmos siames nascem, é automaticamente assumidos que eles devem ser separados. Entretanto, nem todos têm essa visão, não somente os pais, que entram em extremo conflito, mas também membros de comitês éticos, como a Dra. Alice D. Dreger, da Universidade de História Médica do Estado de Michigan. Ela diz que "casos nos quais um dos gêmeos devem ser "sacrificados", é eticamente errado tirar a vida de um pra salvar a de outro. Ela argüe que não é ético matar uma cabeça consciente, uma vez que não se faria isso em qualquer outro caso. Ela também cita "não é ético tratar crianças com anatomias incomuns diferentemente das outras criaças de acordo com o portocolo de ética. Alice concorda com a separação de gêmeos, desde que não haja a morte ou incapacidade de um deles.
 

Reconstrução cirúrgica computadorizada do caso Mary/Jodie

As gêmeas siamesas Abigail e Brittany Hensel

As gêmeas Abigail e Brittany Hensel, dos Estados Unidos, são exemplo do raro tipo de gêmeos dicéfalos, ou seja apresenta um corpo unido com duas cabeças e pescoços separados.

Cada uma das duas gêmeas tem seu próprio coração e estômago, mas juntas elas dividem três pulmões. Suas espinhas se juntam na pelvis e abaixo da cintura elas têm órgãos de uma única pessoa. Cada uma controla os membros e o tronco, e sente sensações sobre o seu lado exclusivamente. Se fizer cócegas na costela à direita, somente uma sente. Além disso, elas controlam - ninguém sabe exatamente como, o andar de uma única pessoa.

Para saber mais:
 


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A Autora


Silvia Helena Cardoso, PhD. Psicobióloga, mestre e doutora em Ciências.
Co-fundadora, Diretora e Professora do Instituto Edumed;
Fundadora e editora-chefe da revista Cérebro & Mente,
Pesquisadora, Universidade Estadual de Campinas.



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