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Correio Eletrônico

Aborto / Mioma
03/06/97
Tive a primeira gravidez aos trinta e um anos de idade. Estava com mioma intramural de 2,5 centímetros no seu maior diâmetro. O ultra-som revelou embrião bem implantado. Entendeu-se que o mioma não representava risco por ser intramural.

Na sétima semana iniciou-se um sangramento que foi tratado com administração de dactil e progesterona. O sangramento reduziu-se até desaparecer. Na oitava semana o ultra-som indicou embrião bem implantado.

Na décima primeira semana o sangramento voltou mais forte e, feito novo ultra-som, foi diagnosticada a morte fetal e aborto retido sendo necessária a curetagem. O mioma estava com seis centímetros.

Não senti cólicas, febre ou qualquer espécie de dor.

Não tive qualquer infecção ou rubéola e o exame da toxioplasmose deu negativo.

O que teria provocado o aborto?

A hipótese de má formação fetal foi descartada pois o exame do DNA nãorevelou nenhuma anormalidade.

No dia seguinte à curetagem o útero apresentava um volume de 500cm cúbicos, o que foi considerado excessivo. O mioma estava com 5cm. Passei a utilizar methergim.

Um mês após a curetagem, continuava sangramento leve. É normal o sangramento? Qual sua causa? Como tratar?

Nesta época (um mês após) o ultra-som indicou volume do útero de 200cm cúbicos e mioma com 4,5 centímetros.

O mioma irá voltar a suas dimensões antes da gravidez? É preciso operar? Épossível tratar sem operar? Representa risco para a nova gravidez? Quando poderei tentar engravidar de novo?

A idade contribuiu para o insucesso?

Anônimo

I - ABORTAMENTO

Define-se abortamento como sendo a perda gestacional que ocorre até 20/22 semanas (ou peso fetal de 500g). Abortamento espontâneo ocorre em cerca de 10 a 15% de todas as gestações sendo, muitas vezes, ocorrência de primeira gravidez. Isto geralmente propicia alto grau de insegurança, tanto para a gestante como para os familiares. Mas se seguido de gravidez normal, não requer, em princípio, maiores cuidados. A ocorrência de dois abortamentos, repetidamente, é bem menor: cerca de 1%; três ou mais abortamentos sucessivos determinam o "abortamento habitual". Neste caso, o risco de novos abortamentos para o casal aumenta, embora a incidência exata não seja determinada.

Causas de abortamento:

cromossômico (69XXX, 69XXY, etc.)
- 45XO
- tetraploidias
- translocações e mosaicos, onde ocorre "cruzamento" entre partes cromossomiais.

2. Anomalias do "ovo":
a. Mal formações congênitas - diferem das cromossomopatias. Aquelas são muito precoces, além de apresentarem anomalias no interior das células; estas apresentam anomalias na estrutura do embrião: anencefalia, ausência de membros, hérnias diafragmáticas, imperfurações do tubo digestivo ou urinário, alterações cardíacas, alterações que causam surdez, cegueira, etc. (a lista de possíveis mal formações é tão extensa que não caberia nesta página) Duas são as causas: as puramente genéticas e as decorrentes de alterações externas como radiações, doenças infecciosas, tumorações que deformam a cavidade uterina.
b. Anomalias da placenta.
c. Anomalias do cordão umbilical.
d. Anomalias das membranas

3. Doenças ginecológicas:
a. Alterações do endométrio (camada do interior do útero que recebe o ovo para implantação) decorrentes, por exemplo, de alterações hormonais maternas que podem causar tanto esterilidade como abortamento.
b. Malformações uterinas - útero septado, útero bicorno, etc.
c. MIOMAS UTERINOS - podem determinar abortamento desde que ocupem muito o "espaço" do embrião em virtude da deformidade uterina. Cerca de 40% dos miomas ocasionam abortamento (embora apenas uma pequena parte dos abortamentos tenha como causa o mioma uterino). Os outros 60% "convivem" com a gravidez, podendo causar diversos tipos de complicações ou eventualmente até cursar com gravidez "normal".
4. Incompetência istmocervical:
É nome complicado que designa dilatação anormal do colo uterino; ocorre perda do ovo por impossibilidade de retenção.
5. Doenças maternas graves:
Para citar somente algumas:
- desnutrição grave
- anemias graves
- grandes obesidades
- diabete melito muito descompensado
- hipertensão arterial grave
- cardiopatias descompensadas
- infecções. É importante lembrar que a rubéola e a toxoplasmose causam complicações somente uma gravidez. As gravidezes seguintes não são afetadas por estas infecções.
6. Idade materna:
Causa indireta. Acima dos 35 anos é maior o risco de anomalias cromossômicas, particularmente a trissomia do cromossomo 21.
7. Outras causas:
Condições geralmente evocadas por algumas pacientes, como carregar peso, emoções e sustos, coito, etc. não são causa de abortamento (veja, por exemplo, jogadoras profissionais de basquete, vôlei, nadadoras, etc.). Nem mesmo traumatismos ou intervenções cirúrgicas são assim considerados.

Quando a causa é evidente (como doença materna grave) ou mais ou menos evidente (como a incompetência istmocervical), fica fácil fazer o diagnóstico. A presença de mioma uterino faz suspeitar que esta tenha sido realmente a causa, embora isto não seja totalmente conclusivo, principalmente pela ausência de cólicas e pela evolução para aborto retido (sem eliminação do embrião).

Em relação ao embrião, o diagnóstico não deve ter sido exatamente o exame do DNA. Se o material estudado foi o colhido do aborto, o resultado do estudo genético pode ser duvidoso (a não ser que seja francamente positivo). Além disso, o material resultante de aborto não permite o diagnóstic da placenta em início de formação), amniocentese (colheita de líquido amniótico por punção abdominal) e cordocentese (punção do cordão umbilical), que identifica os cromossomos embrionários, seu número e sua forma. É indicado em mulheres (ou cujos maridos) portadoras, elas mesmas, de anomalias cromossômicas ou que já tiveram criança com síndrome de Down. Indica-se também em mulheres cuja idade é considerada de alto risco para o aparecimento desta síndrome: acima dos 35 anos (ou 40 anos, segundo alguns autores).

Para a população de grávidas que não se enquadram nos critérios acima existe teste bioquímico triplo ou "Triteste", que é realizado por alguns laboratórios e consiste na dosagem sangüínea materna de três substâncias: alfafetoproteína, estriol e gonadotrofina coriônica. Este teste é realizado entre 15 e 20 semanas de gestação e serve como rastreamento inicial. Ainda não é rotina na maioria dos pré-natais, talvez pelo custo relativamente elevado.

II - MIOMA UTERINO

Os miomas uterinos tendem a aumentar durante a gravidez, pois são estimulados pelos níveis elevados de hormônios deste período. Após a gravidez, tendem a regredir, embora possam jamais desaparecer por completo.

Não existe tratamento clínico, embora tentativas sejam feitas com determinados tipos de hormônio. O único tratamento é o cirúrgico, com retirada somente do mioma, quando possível, ou de todo o útero, quando necessário. Somente necessitam de cirurgia as mulheres com sintomas acentuados: hemorragias intensas e cólicas intratáveis. As demais podem conviver muitíssimo bem com seus miomas, até que sobrevenha a menopausa, quando os miomas tendem a "murchar".

A ocorrência de mioma juntamente com a gravidez é comum (veja acima). Não se pode estabelecer com exatidão o risco. Não parece provável que mioma de 6, 7 ou até 10 cm, mesmo que intramural, possa determinar aborto retido. O mais provável é que a gravidez acabe evoluindo naturalmente, mesmo que apareçam cólicas.

O melhor intervalo entre duas gestações é de dois anos; após abortamento, desde que a mãe esteja em boas condições nutricionais, período mínimo de seis meses é indicado.

Atenciosamente,

Dr. Irineu Wajntraub - Ginecologista e Obstetra - São Paulo - SP

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