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Correio Eletrônico

Alcoolismo e Perda de Memória e Concentração
9/1/2002
Como vai o Sr., Doutor?

Tenho 28 anos, sexo masculino;  bebo desde os 13 anos; estou me sentindo com a memória fraca e com dificuldades de assimilação - estou em desespero, pois estou cursando universidade e está sendo muito difícil conciliar o álcool, a universidade, o trabalho e a família, entre outras atividades...

Gostaria de saber:

  1. Se eu parar de vez, repentinamente, existe algum risco à saúde? Quais as conseqüências? Existe a tal crise de abstinência?
  2. Até que ponto pode ter comprometido o meu cérebro? É reversível?
  3. Existe remédio para reverter o quadro de esquecimento e dificuldade de assimilação de dados em minha memória?
  4. Quais outras áreas pode ter comprometido em meu organismo?
Se possível, envie-me material elucidativo sobre o assunto. 
Desde já, obrigado.
N.
Resposta

Muito cuidado, pois você pode estar entrando em uma situação perigosa de lesão cerebral. Existe a síndrome de Korsakoff, que é a perda gradual de memória por causa do consumo crônico do álcool, que acaba levando a pessoa à loucura (demência alcóolica), com mais idade. Você poderá ter essa síndrome se continuar usando álcool.

Existe, sim, a crise de abstinência, mas apenas em casos de dependência muito alta. Nessas pessoas, a retirada brusca do álcool é perigosa e deve ser feita com supervisão médica constante.

Como você tem ainda apenas 28 anos, a lesão é parcialmente reversível, você deve se recuperar bem, pois a parte saudável do cérebro assume parte das funções da parte que já morreu. Com mais idade é muito difícil, a lesão passa a ser irreversível.

Existem vários medicamentos, chamados noofármacos, que permitem uma recuperação parcial em pessoas com déficit de memória. Também existem técnicas cognitivas que conseguem algum efeito positivo. Procure um psicólogo especializado.

Com relação às outras áreas que podem ter sido comprometidas em seu organismo: lesões do fígado, rins, cérebro, coração, estômago, duodeno, bexiga, pâncreas, entre outras. As mais perigosas são as do fígado, pois levam a morte por cirrose, e a do pâncreas, por pancreatite alcóolica, que provoca muito sofrimento. O álcool é a segunda maior causa de morte evitável no Brasil (o fumo vem em primeiro lugar).

Você deve fazer um check-up médico completo para saber até que grau seu organismo se comprometeu, antes de tentar abandonar o hábito. Não tente por conta própria: não vai funcionar. Você deve procurar os Alcoólicos Anônimos de sua cidade, e também procurar apoio psicológico especializado. Funciona somente a longo prazo. Cerca de 50% dos alcóolicos crônicos voltam a beber.

O check-up deve incluir (somente um médico pode solicitá-los, depois de fazer um exame físico completo em você):

  1. Exame completo de sangue, urina e fezes, colesterol, ácido úrico, glicemia, etc.
  2. Enzimas hepáticas
  3. Avaliação funcional do pâncreas
  4. Exame neurológico completo, inclusive nervos periféricos, visão, audição, reflexos, etc., e psicocognitivo (memória, raciocínio, tempo de reaçào, etc.)
  5. Exames cardiológicos (ecocardiografia, ergométrico, eletrocardiografia)
Boa sorte, e lembre-se: sua vida e a felicidade de sua família vai depender muito das decisões acertadas ou erradas que você tomar daqui por diante. Você é jovem ainda, tem boa chance de recuperação. Os alcóolatras crônicos tem uma expectativa de vida entre 12 a 15 anos de vida menos do que um não alcóolatra. A morte, geralmente, ocorre por alguma doença degenerativa muito sofrida, como cirrose, pancreatite, insuficiência cardíaca, câncer do estômago ou da bexiga, etc. Você não vai querer chegar a este estágio.

Leia os artigos sobre os efeitos do álcool no cérebro em http://www.cerebromente.org.br

Atenciosamente

Prof. Dr. Renato M.E. Sabbatini
Professor-Adjunto, Depto. Genética Médica
Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

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