Gostaria de receber informações
sobre o que penso ser uma disfunção sexual feminina, que
é a falta de desejo sexual.
Há cerca de dois
anos que não sinto desejo sexual pelo meu parceiro sexual o que
tem em muito afetado o nosso relacionamento.
No entanto, quando consigo
transpor essa barreira as relações sexuais são satisfatórias.
Resposta
Essa é
uma situação que pode ser resolvida, desde que vocês
se amem. É dificil, no entanto, te ajudar com algum conselho
se não for feito um diagnóstico mais preciso da causa da
falta de libido e de orgasmo.
As causas podem
ser muitas, e multiplas (interacoes de varias causas), mas elas se classificam
em duas grandes áreas: 1) orgânicas e 2) psicológicas.
No entanto, essas duas causas raramente existem isoladamente, pois quem
tem um problema orgânico fatalmente passa a ter um psicológico,
e quem tem um psicológico, o mesmo pode influenciar a esfera orgânica
(reações somatoformes ou psicossomáticas).
Por exemplo, se
uma mulher (ou mais freqüentemente, o homem) passam muito tempo sem
ter relações sexuais ou tem reações de intensa
frustração a isso, o organismo se protege baixando o nivel
de testosterona (hormônio sexual masculino ou androgênio) que
se correlaciona fortemente (tanto no homem quanto na mulher) com o desejo
sexual. Por outro lado, quando o relacionamento sexual e é
muito frustrante para ambos, vocês passam a ter medo de ter relacoes
sexuais e preferem reprimir seus desejos, levando a uma disfunção
sexual maior ainda. Forma-se um circulo vicioso, que aniquila a vida sexual
por longos periodos. Esse efeito provavelmente é a explicação
para o fato de você até "fugir do assunto" e evitar qualquer
iniciativa. No fundo, você tem medo de magoar seu marido e
de se magoar mais uma vez a si propria, gerando grandes angústias
no relacionamento diario.
Do lado orgânico,
muitas mulheres com falta total de libido manifestam um nivel muito baixo
de testosterona no sangue. Se esse for o caso, tomar uma pilula de estrôgenio
com uma pequena dosagem de testosterona costuma ter ótimos resultados.
Na Europa e EUA tambem se receita muito um creme de testosterona, que a
mulher passa na parte interna das coxas, e que é o suficiente para
restabelecer os niveis e melhorar a vida sexual.
Mas tudo isso
e' muito perigoso de fazer por conta propria (dosagens erradas podem provocar
virilização -- voz grossa, pelos corporais -- ou disturbios
menstruais e de fertilidade na mulher), e deve ser feito apenas com orientacao
medica (no caso, um endocrinologista), e somente depois de se ter assegurado
que sua esposa realmente tem niveis muito baixos de testosterona, atraves
de exames especializados.
Para algumas mulheres,
tomar pilulas anticoncepcionais diminue fortemente o desejo sexual. A variedade
monofasica (todas pilulas de uma cor so') e'
a que tem mais
efeito nesse sentido. Muitas mulheres se beneficiam ao tomar a pilula trifasica
(Trinordiol) que tem uma dosagem menor, e afeta
menos os hormonios.
Substituir a pilula por outro metodo anticoncepcional tambem pode ser uma
solucao a ser tentada.
Existem outras
causas organicas menos frequentes, como dispareunia (dor à penetracao
vaginal), malformacoes nos orgaos genitais externos,
problemas neurologicos,
etc. Alguns medicamentos antidepressivos e usados em doencas cardiacas
tambem inibem muito o desejo sexual.
Recomendo que
sua esposa va' a um ginecologista e faca um check-up total, inclusive neurologico,
para ver se ha' alguma anormalidade.
Outro motivo,
agora na area psicologica, e' uma forte inibicao do desejo sexual causado
por eventos traumaticos no passado, experiencias infelizes
ou desastrosas
com o sexo sem amor, estupro, abuso sexual, etc. Repressao paterna muito
intensa, associando sexo com pecado, sujeira, etc.,
tambem tem efeitos
muito persistentes e e' uma causa importante de frigidez em mulheres de
todas faixas etarias. Se esse for o caso, uma
abordagem mista
orientada por um sexologista (as tecnicas de foco consensual, como as desenvolvidas
por Masters e Johnson, que voce diz ja' ter
usado) e terapia
cognitiva, pode funcionar bem, com sua ajuda. Nesse caso seria interessante
voces dois fazerem a terapia, e nao somente sua
esposa. Minha
opiniao e' que a psicanalise dificilmente ajudaria no caso de sua esposa,
portanto nao insista nessa linha.
A discrepancia
muito grande entre o desejo sexual, preferencias e frequencia de relacoes
entre o marido e a mulher e' mais comum do que voce
imagina, e coloca
fortes tensoes no relacionamento amoroso. Estima-se que seja a causa mais
comum de infidelidade sexual, principalmente por parte
do marido (muitas
mulheres tem desejo sexual normal no comeco do casamento, mas por varios
motivos perdem-no apos uma gravidez ou quando
relacionamento
conjugal se torna problematico).
Para evitar a
dissolucao do matrimonio por esse motivo, e' importante que voce entenda
e respeite as diferencas que existem, e aprenda a lidar com
elas. Tenho a
impressao que se sua mulher sentir que vai perde-lo devido a esse problema,
ela ficara' mais interessada em enfrenta-lo com coragem,
persistencia
e determinacao. Embora possa parecer para voce que e' egoismo por parte
dela nao querer "ceder nem um pouquinho" ao seu desejo
sexual, levando
muitas vezes a voce ficar com uma sensacao de revolta, e' preciso que voce
entenda que esse problema e' tao grande para ela quanto
o e' para voce.
Pode ser que voce nao entenda porque ela nao pode fazer por voce "algo
que custaria tao pouco" para ela. Mas, veja do seguinte
ponto de vista:
fingir estar gostando ou ter orgasmo seria pior ainda, pois seria disfarcar
um problema que realmente existe, alem de ser uma
profunda indignidade
para a mulher ter que trair o seu proprio corpo. Ela acabaria por ter repulsa
total em relacao ao sexo, e ate' pegaria nojo de
voce.
Desejo felicidade
para voce em sua busca pela harmonia sexual, que e' tao importante no relacionamento
amoroso e conjugal. Muitos casais na sua
situacao conseguiram
sucesso em muda-la para melhor, e nao vejo motivos para que voces nao consigam
tambem.
Boa sorte
Um abraço
Prof. Dr. Renato
M.E. Sabbatini
Professor-Adjunto, Depto.
Genética Médica
Faculdade de Ciências
Médicas da UNICAMP
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