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Correio Eletrônico

Problemas de Saúde do Aviador
16/3/2001

Eu sou esposa de um piloto de uma grande compania aérea e gostaria de saber o quanto a falta de sono ou a instabilidade de horários pode afetar a saúde, o humor, as reações dele. Notei que cada dia mais, ele está tendo problemas de controle frente as pressões do dia a dia, se irrita facilmente no trânsito a ponto de correr risco de vida, tanto quanto se altera verbalmente por qualquer frustração ou desentendimento. Acredito que precise de ajuda médica, mas qual? E medicamentos, devia ser medicado mas nao pode usar tranquilizantes por causa da profissão, não acha? Será que a melatonina pode ajudá-lo desde já?

Anônima

Resposta

O organismo humano precisa de estabilidade de horários para acordar e dormir, pois isso faz parte intrínseca de nossa biologia: são os chamados ritmos circadianos. Uma pessoa pode até inverter o seu ciclo (por exemplo, trabalhar de noite e dormir de dia), mas é  importante que esse ciclo não mude a toda hora. Demora até dois meses para que o organismo se adapte a um ciclo estável. As mudanças constantes de ciclo, a necessidade de ficar a noite toda acordado, adicionados ao estresse natural do piloto, fazem com que essa profissão seja uma das mais prejudiciais para a saúde que existem. Se o seu marido é piloto de linhas internacionais, as mudanças de fuso horário são devastadoras para o organismo. Para cada 2 horas de diferença de fuso horário, o organismo necessita de 1 dia para se readaptar. Nesse período de adaptação são comuns alterações orgânicas e mentais, como insônia ou sonolência excessiva, irritabilidade, instabilidade emocional, dores de cabeça, aumento ou queda da pressão sangünea, cansaço e fadiga, tremores musculares, vertigens, desorientação espacial, alterações do apetite alimentar e sexual, depressão, lentidão de raciocínio, etc. A essa doença, velha conhecida dos pilotos, se denomina "jet lag" (ou retardo de tempo provocado pelos voos de aviões a jato). É por isso que as companhias têm que seguir a legislação, que determina um período de descanso obrigatório para as tripulações depois de um jet lag muito grande. Outras influências psíquicas negativas afetam os pilotos, principalmente os que têm família: ficar longe de casa muito tempo, ciúmes do cônjugue, problemas financeiros e instabilidade no emprego, quando a companhia vai mal.

Seu marido é proibido de tomar tranquilizantes, alcool ou qualquer outro tipo de droga. Se ele for pego com um desses medicamentos durante o trabalho pode ser demitido por justa causa. As companhias, infelizmente, fingem ignorar esse problema, mas é cada dia maior o número de pilotos e outros componentes da tripulação que têm estresse crônico e usam drogas, inclusive pesadas (cocaína, por exemplo) durante vôos. O uso de cafeína e estimulantes fortes (anfetamina) para combater o cansaço e conseguir ficar acordado durante um vôo noturno é generalizado, colocando em perigo a vida da tripulação e dos passageiros.

Recomendo o seguinte: a visita a um psiquiatra ou psicólogo. Existem alguns especializados no trabalho com companhias aéreas, procure uma indicação entre os colegas dele. Outra coisa: talvez a Diretoria de Saúde da Aeronáutica, no exame periodico que todo piloto precisa fazer, poderia ser alertada pelo seu marido para os sintomas que ele está tendo. Geralmente o médico dá então um atestado para afastamento temporário do trabalho, que a empresa é obrigada a respeitar (embora não goste nada disso, e até possa "marcar" seu marido por causa do laudo do médico, que vai ser obrigado a declarar a causa do afastamento). Ele poderá fazer um tratamento à base de técnicas de relaxamento e biofeedback, que funcionam muitissimo bem para autocontrole (ioga, taichichuan, massagens, etc.), ou de terapia cognitiva, sem usar medicamentos. Procure também reduzir ao máximo os problemas que ele tiver em casa.

Agora, um outro conselho: o problema principal não é o estímulo que provoca o stress (no caso, acordar de madrugada, chegar tarde em casa). Certamente o seu marido deve ter colegas que não se alteram tanto quanto ele por causa disso. O que ele precisa aprender (se pretende ficar na profissão), é como não entrar em stress, ou seja, como resistir bem a esses fatores, sem ficar estressado. A isso se chama auto-controle, e é uma técnica, que pode ser aprendida com um psicólogo especializado. Encarar todas as vicissitudes com bom humor é fundamental. A irritação e o mau-humor crescente vão se somando, e a pessoa passa a ter um grau de tolerância muito baixo. O truque é aumentar esse grau de tolerância, e você pode ajudá-lo muito nesse sentido. Por exemplo, tornando uma coisa agradável para ele a hora de acordar e sair de casa, assim como a hora de voltar para casa. Assim ele não associa a ida ao trabalho a uma coisa aversiva, punitiva. Exemplo: levantar junto com ele de madrugada, na hora de ir para o aeroporto e preparar um bom café da manhã, conversando agradavelmente, de coisas boas, com ele antes de sair. Ou ir levá-lo de carro para que possam ficar mais tempo juntos. Isso implica um sacrifício de sua parte? Certamente. Mas pode ser a diferença para retorná-lo ao estado de equilíbrio emocional.

Infelizmente essa profissão que seu marido escolheu é bastante sacrificada. Por essa razão é que é relativamente bem paga (já foi melhor). Tenho vários amigos e um sobrinho que são pilotos, e já estudei muito a fisiologia do estresse. Uma solução definitiva seria mudar de profissão, mas sei que isso é dificil por diversos motivos (inclusive porque a maioria dos pilotos tem verdadeira paixão pela profissão).

Quanto à melatonina, ela tem resultados controvertidos. Não posso dizer que funcione, pois o efeito deve variar de pessoa para pessoa. Mas acho que não faria mal ele tentar. Afinal, é considerado apenas um suplemento alimentar e não necessita de receita médica. Apenas recomendo que compre uma ótima marca estrangeira, para não correr riscos.

Leia o artigo sobre ritmos biológicos do Prof. Menna Barreto, na revista Cérebro & Mente (http://www.cerebromente.org.br)
 
Boa sorte!
 

Prof. Dr. Renato M.E. Sabbatini, PhD
Professor-Adjunto, Depto. Genética Médica
Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP
 

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