Eu sou esposa de um piloto
de uma grande compania aérea e gostaria de saber o quanto a falta
de sono ou a instabilidade de horários pode afetar a saúde,
o humor, as reações dele. Notei que cada dia mais, ele está
tendo problemas de controle frente as pressões do dia a dia, se
irrita facilmente no trânsito a ponto de correr risco de vida, tanto
quanto se altera verbalmente por qualquer frustração ou desentendimento.
Acredito que precise de ajuda médica, mas qual? E medicamentos,
devia ser medicado mas nao pode usar tranquilizantes por causa da profissão,
não acha? Será que a melatonina pode ajudá-lo desde
já?
Anônima
Resposta
O organismo humano
precisa de estabilidade de horários para acordar e dormir, pois
isso faz parte intrínseca de nossa biologia: são os chamados
ritmos circadianos. Uma pessoa pode até inverter o seu ciclo (por
exemplo, trabalhar de noite e dormir de dia), mas é importante
que esse ciclo não mude a toda hora. Demora até dois meses
para que o organismo se adapte a um ciclo estável. As mudanças
constantes de ciclo, a necessidade de ficar a noite toda acordado, adicionados
ao estresse natural do piloto, fazem com que essa profissão seja
uma das mais prejudiciais para a saúde que existem. Se o seu marido
é piloto de linhas internacionais, as mudanças de fuso horário
são devastadoras para o organismo. Para cada 2 horas de diferença
de fuso horário, o organismo necessita de 1 dia para se readaptar.
Nesse período de adaptação são comuns alterações
orgânicas e mentais, como insônia ou sonolência excessiva,
irritabilidade, instabilidade emocional, dores de cabeça, aumento
ou queda da pressão sangünea, cansaço e fadiga, tremores
musculares, vertigens, desorientação espacial, alterações
do apetite alimentar e sexual, depressão, lentidão de raciocínio,
etc. A essa doença, velha conhecida dos pilotos, se denomina "jet
lag" (ou retardo de tempo provocado pelos voos de aviões a jato).
É por isso que as companhias têm que seguir a legislação,
que determina um período de descanso obrigatório para as
tripulações depois de um jet lag muito grande. Outras influências
psíquicas negativas afetam os pilotos, principalmente os que têm
família: ficar longe de casa muito tempo, ciúmes do cônjugue,
problemas financeiros e instabilidade no emprego, quando a companhia vai
mal.
Seu marido é
proibido de tomar tranquilizantes, alcool ou qualquer outro tipo de droga.
Se ele for pego com um desses medicamentos durante o trabalho pode ser
demitido por justa causa. As companhias, infelizmente, fingem ignorar esse
problema, mas é cada dia maior o número de pilotos e outros
componentes da tripulação que têm estresse crônico
e usam drogas, inclusive pesadas (cocaína, por exemplo) durante
vôos. O uso de cafeína e estimulantes fortes (anfetamina)
para combater o cansaço e conseguir ficar acordado durante um vôo
noturno é generalizado, colocando em perigo a vida da tripulação
e dos passageiros.
Recomendo o seguinte:
a visita a um psiquiatra ou psicólogo. Existem alguns especializados
no trabalho com companhias aéreas, procure uma indicação
entre os colegas dele. Outra coisa: talvez a Diretoria de Saúde
da Aeronáutica, no exame periodico que todo piloto precisa fazer,
poderia ser alertada pelo seu marido para os sintomas que ele está
tendo. Geralmente o médico dá então um atestado para
afastamento temporário do trabalho, que a empresa é obrigada
a respeitar (embora não goste nada disso, e até possa "marcar"
seu marido por causa do laudo do médico, que vai ser obrigado a
declarar a causa do afastamento). Ele poderá fazer um tratamento
à base de técnicas de relaxamento e biofeedback, que funcionam
muitissimo bem para autocontrole (ioga, taichichuan, massagens, etc.),
ou de terapia cognitiva, sem usar medicamentos. Procure também reduzir
ao máximo os problemas que ele tiver em casa.
Agora, um outro
conselho: o problema principal não é o estímulo que
provoca o stress (no caso, acordar de madrugada, chegar tarde em casa).
Certamente o seu marido deve ter colegas que não se alteram tanto
quanto ele por causa disso. O que ele precisa aprender (se pretende ficar
na profissão), é como não entrar em stress, ou seja,
como resistir bem a esses fatores, sem ficar estressado. A isso se chama
auto-controle, e é uma técnica, que pode ser aprendida com
um psicólogo especializado. Encarar todas as vicissitudes com bom
humor é fundamental. A irritação e o mau-humor crescente
vão se somando, e a pessoa passa a ter um grau de tolerância
muito baixo. O truque é aumentar esse grau de tolerância,
e você pode ajudá-lo muito nesse sentido. Por exemplo, tornando
uma coisa agradável para ele a hora de acordar e sair de casa, assim
como a hora de voltar para casa. Assim ele não associa a ida ao
trabalho a uma coisa aversiva, punitiva. Exemplo: levantar junto com ele
de madrugada, na hora de ir para o aeroporto e preparar um bom café
da manhã, conversando agradavelmente, de coisas boas, com ele antes
de sair. Ou ir levá-lo de carro para que possam ficar mais tempo
juntos. Isso implica um sacrifício de sua parte? Certamente. Mas
pode ser a diferença para retorná-lo ao estado de equilíbrio
emocional.
Infelizmente essa
profissão que seu marido escolheu é bastante sacrificada.
Por essa razão é que é relativamente bem paga (já
foi melhor). Tenho vários amigos e um sobrinho que são pilotos,
e já estudei muito a fisiologia do estresse. Uma solução
definitiva seria mudar de profissão, mas sei que isso é dificil
por diversos motivos (inclusive porque a maioria dos pilotos tem verdadeira
paixão pela profissão).
Quanto à
melatonina, ela tem resultados controvertidos. Não posso dizer que
funcione, pois o efeito deve variar de pessoa para pessoa. Mas acho que
não faria mal ele tentar. Afinal, é considerado apenas um
suplemento alimentar e não necessita de receita médica. Apenas
recomendo que compre uma ótima marca estrangeira, para não
correr riscos.
Leia o artigo
sobre ritmos biológicos do Prof. Menna Barreto, na revista Cérebro
& Mente (http://www.cerebromente.org.br)
Boa sorte!
Prof. Dr. Renato
M.E. Sabbatini, PhD
Professor-Adjunto, Depto.
Genética Médica
Faculdade de Ciências
Médicas da UNICAMP
|