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Doença de Chagas

Dr. José Veloso Souto Júnior
Dra. Maria Aparecida Andrés Ribeiro (UFMG)



Você sabe a origem do nome doença de Chagas?

Essa doença foi assim denominada em homenagem ao médico Dr. Carlos Chagas, que a descobriu em 1909, quando trabalhava em Minas Gerais, nos idos tempos da construção das linhas da Ferrovia Central do Brasil. E sua descoberta, como geralmente ocorre com as grandes invenções, ocorreu de modo mais ou menos acidental, como veremos a seguir:


 

        "Além de cuidar de seus pacientes, o cientista aproveitava suas horas vagas para analisar e pesquisar a origem das doenças que afetavam aquela pessoas. Nestas pesquisas, andando nas ruas do lugarejo e conversando com a população, fez sua maior descoberta: percebeu que o barbeiro, um inseto razoavelmente grande, vivia em muitas casas da região. Atentando para este fato não demorou muito a verificar que esse inseto alimentava-se de sangue humano. Colhendo um exemplar, resolveu pesquisá-lo no microscópio e descobriu que o mesmo continha, em seu intestino, alguns protozoários. Continuando a pesquisa, constatou que um desses protozoários provocava uma doença no homem - a este protozoário deu o nome de Trypanosoma cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz, outro grande cientista brasileiro."
A doença de Chagas, muito comum em toda a América Latina, é uma parasitose que ataca o sangue e os órgãos do corpo. Seu agente causador é o protozoário Trypanosoma cruzi, que vive no intestino dos barbeiros, insetos que infestam as habitações humildes e que, por se alimentarem de sangue, mordem o homem e outros pequenos mamíferos – neste ato tanto lhes transmitem a doença de Chagas quanto se infectam com o sangue de quem já estiver contaminado.


Trypanosoma cruzi no sangue de um paciente infectado

A doença de Chagas humana disseminou-se entre as populações rurais latino-americanas, acompanhando, nos últimos três séculos, os movimentos migratórios do homem - que invadia os locais naturais em que vivem os barbeiros, condutores ou vetores da doença. Recentemente, essa doença vem se tornando mais urbana, em decorrência da crescente migração das pessoas do campo para as cidades, e pelo aumento do número de transfusões de sangue.

Hoje, a doença de Chagas atinge cerca de 16 milhões de pessoas, concentrando-se nas zonas rurais e urbanas mais pobres, onde a proliferação dos barbeiros é facilitada pelo baixo nível das condições sociais, em vista da má qualidade das habitações.

Além do homem, mamíferos de pequeno porte têm funcionado como verdadeiros reservatórios do Trypanosoma cruzi, entre os quais destacam-se os gambás, macacos e morcegos, bem como os cães, gatos e ratos.
 

Modo de transmissão e área de maior incidência


Os insetos condutores do Trypanosoma cruzi se dispersam por toda a América Latina e, no Brasil, são vulgarmente chamados de "barbeiro", "chupões", "fincões", "bicudos" ou "chupanças". Este inseto tem por hábito eliminar suas fezes no local da picada onde sugará o sangue, deixando em meio às mesmas o Trypanosoma cruzi, que, por sua vez, irá infectar o homem ou o animal mamífero. A coceira decorrente da irritação da picada ajuda ainda mais a penetração do protozoário.

O nome científico do barbeiro é Reduviidae. No Brasil, os gêneros Triatoma infestans e Panstrongilus megistus são os principais transmissores da doença de Chagas 

Como se alimentam de sangue são chamados de insetos hematófogos e, ao picarem uma pessoa ou animal já contaminado – que funciona como hospedeiro-reservatório –, reciclam a cadeia de transmissão do Trypanosoma cruzi.

A transmissão também pode ocorrer pela transfusão de sangue, por via transplacentária, ou por acidentes. Entretanto, nunca se comprovou a transmissão através da amamentação.

Apesar de descoberta há quase 100 anos, estima-se, atualmente, que a doença de Chagas atinja 4% da população rural, com maiores índices nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás, Sergipe e Bahia - o que corresponde a cinco milhões de infectados, mais da metade residindo em cidades de médio e grande porte.


Parede de pau-a-pique de casa rural, onde se esconde o "barbeiro"
 

As fases da doença de Chagas


Após a contaminação pelo barbeiro há um período de incubação de cerca de 4 a 12 dias, a partir do qual inicia-se a chamada fase aguda da doença - que na maioria dos casos dura de 3 a 8 semanas.

No entanto, freqüentemente esta fase passa despercebida, gerando maior mortalidade entre as crianças, principalmente as menores de 3 anos de idade, devido a infecção afetar o músculo cardíaco, o cérebro e as meninges, provocando miocardite ou meningoencefalite. Nesta fase, infelizmente, não há registros de casos de curas espontâneas da doença.

A fase crônica pode perdurar por 15 a 20 anos ou por toda a vida e são raríssimos os casos de cura espontânea.

No Brasil, 50 a 60% dos chagásicos encontram-se nessa forma da doença, sem manifestações clínicas. Calcula-se que, a cada ano, 2 a 4% desses pacientes passam à forma crônica clinicamente definida, ou seja, apresentam sintomas de doenças do coração, do esôfago e do intestino grosso. A doença é geralmente progressiva e mais comum no sexo masculino, ocorrendo mais freqüentemente a partir dos 30 ou 40 anos.

Anualmente, são registradas entre 5.500 e 6.000 mortes causadas pela doença de Chagas, mas o estudo de um pesquisador iraniano, Dariush Akavan, estima que mais de 17 mil brasileiros morrem todos os anos em decorrência desse mal. A mortalidade deve-se, basicamente, às formas graves da cardiopatia, mas também ocorre por complicações no intestino. 

O Brasil, a partir de 1997, conseguiu interromper o ciclo da doença pela eliminação de praticamente todos os barbeiros infectados, com a aplicação maciça de inseticida nas casas infestadas pelos insetos. Foi um trabalho continuado da saúde pública brasileira que durou mais de trinta anos, mas que resultou na interrupção da transmissão vetorial pelo Triatoma infestans.
 

O quadro clínico


Vimos que a doença de Chagas caracteriza-se pelas fases aguda e crônica.

Nas áreas endêmicas, chama atenção a diferença significativa entre o pequeno número de casos diagnosticados na fase aguda e o grande número de casos crônicos conhecidos: apenas 1% dos casos são diagnosticados na fase aguda, provavelmente porque na maioria dos indivíduos a fase inicial não apresenta sintomas dignos de nota. Entre os poucos casos de registro em fase aguda, 605 são de crianças, nas quais os sinais se manifestam de forma mais rica, na palavra de um especialista.

A fase aguda apresenta, em muitos casos registrados, as seguintes características:

  • inchaço ou edema superior e inferior de pálpebra de um só lado;
  • inchaço ou edema duro e de cor violeta no local da picada do barbeiro;
  • aumento dos gânglios ou nódulos linfáticos atrás das orelhas.
Em 25% dos casos ocorre, ainda, uma marca na face ou braço, locais mais fáceis de serem picados, caracterizada por vermelhidão, coceira e tumefação da pele.

Febre prolongada, cansaço e desânimo, dor e inchação dos gânglios linfáticos, inchação ou edema facial e das pernas, aumento do fígado e do baço são também características da fase aguda. O surgimento de taquicardia ou aceleração do ritmo cardíaco pode ocorrer com ou sem febre e é sinal de miocardite - que, na maioria dos casos, é benigna. No entanto, estes sinais desaparecem em 2 a 4 meses.

Após a fase aguda, mais da metade das pessoas acometidas por Chagas permanecem pelo resto da vida com a forma indeterminada, assintomática ou latente da doença, como já ressaltamos. Nos demais portadores crônicos, com o passar dos anos começam a surgir alguns sinais de comprometimento do coração ou sistema digestivo.

Na fase crônica, a forma cardíaca é a mais grave e importante manifestação clínica da doença e pode ocorrer em 80% dos pacientes. Caracteriza-se por:

  • palpitações (taquicardia) e batimentos cardíacos fora de ritmo (extra-sístoles e arritmias);
  • tonteiras;
  • dor no peito, à esquerda;
  • falta de ar quando da realização de esforços físicos;
  • insuficiência cardíaca progressiva.
A forma digestiva da doença caracteriza-se pela dilatação e alteração dos movimentos do esôfago (megaesôfago) ou do cólon descendente do intestino grosso (megacólon). Isto ocorre porque a doença destrói as terminações nervosas e os músculos ficam frouxos, perdendo a capacidade de se contrair e fazendo com que o órgão (esôfago ou intestino) aumente de tamanho.


Mega-esôfago em um chagásico

No primeiro caso, o principal sintoma é a dificuldade para engolir (disfagia). Este é um sintoma progressivo, que evolui até a pessoa conseguir engolir apenas líquidos, pois sente dores ao realizar este processo, bem como vômitos, queimação e sensação de sufocamento. Soluços, aumento da salivação e tosse noturna são sintomas associados que podem evoluir até uma pneumonia por aspiração.

O megacólon manifesta-se pela retenção de fezes e gazes, e muitas vezes pela formação de fecaloma – bolo de fezes endurecidas que obstrui a defecação.
 

Diagnóstico e tratamento


Na fase aguda, o diagnóstico da doença é corroborado pelo achado do Trypanosoma cruzi no sangue periférico – fato que também ocorre na fase crônica. Nesta, além disto, o raio x de tórax evidencia aumento da área cardíaca e o eletrocardiograma mostra as alterações que a doença provoca no coração. 

O tratamento, sempre a critério médico, dura um mês mas o acompanhamento médico deve perdurar por toda a vida. Os percentuais de cura já alcançam de 60 a 70% dos pacientes.
 

Conclusão – O melhor remédio é a prevenção


Neste texto, repassamos os aspectos mais importantes envolvidos na doença de Chagas, uma doença típica da pobreza e do subdesenvolvimento. Apresenta predominância nos habitantes da zona rural, a maioria dos quais gente pobre que, pela precariedade das habitações, foi picada pelo barbeiro, o principal inseto-vetor do Trypanosoma cruzi, que é o parasita que habita o intestino do inseto e que é o real causador da doença.

Sabemos que boa parte das pessoas atingidas pela doença de Chagas sequer sabe que a tem, pois ela pode passar despercebida tanto na fase aguda quanto na crônica. Naqueles em que há manifestações, elas costumam ser tardias e podem afetar gravemente o coração, o esôfago e o intestino, comprometendo suas funções e podendo levar à morte.

Como para qualquer doença, o melhor remédio é a prevenção. No caso da doença de Chagas, são importantes as seguintes medidas preventivas:

  • melhoria das condições de vida da população pobre, principalmente das habitações;
  • reforma das casas de barro, taipa ou madeira, transformando-as em casas de alvenaria ou vedando suas frestas e buracos, pois é nestes locais que vivem os barbeiros; 
  • educação sanitária;
  • aplicação de inseticidas nas moradias das regiões endêmicas, visando eliminar o inseto transmissor da doença;
  • controle da qualidade do sangue, de modo a impedir a transmissão da doença quando da necessidade de transfusões.
O cuidado e atenção com o diagnóstico na fase aguda e o trabalho de esclarecimento e conscientização com as comunidades das áreas endêmicas são vitais para o controle e prevenção da doença.
 

Bibliografia


Manejo Clínico da Doença de Chagas, Ministério da Saúde/Fundação Nacional de Saúde.
 

Fotos: 



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