Dr. Wanir
Barroso
A endemicidade da malária no Brasil já esteve perto do controle no ano de 1970, com pouco mais de 52 mil casos notificados. Nestas últimas três décadas o nível endêmico elevou-se de tal forma que distanciou-se da possibilidade de um controle possível para aproximar-se de um controle cego da endemia. Determinantes epidemiológicas, ecológicas, políticas, socioculturais e econômicas, são responsáveis pela mudança no curso do controle da malária no país. Do ponto de vista clínico-epidemiológico, a malária se mantém endêmica no Brasil porque a maioria dos casos ou são tratados tardiamente ou simplesmente não são tratados. Em outras palavras, a disponibilidade e acessibilidade de diagnóstico e de tratamento medicamentoso não atingem todos os homens doentes no início da doença e da mesma forma. O retardo de diagnóstico e de tratamento faz com que haja oferta de gametócitos pela maior exposição do homem doente. Quando isto ocorre, numerosos ciclos da doença se completam ao mesmo tempo, viabilizando a doença e mantendo-a como endêmica. Os gametócitos são formas do protozoário (Plasmodium) que aparecem no sangue do doente após o rompimento das hemácias parasitadas. Estas formas plasmodiais são infectantes para o mosquito transmissor e inertes para o homem doente. A destruição destas formas devem fazer parte do tratamento do doente numa área endêmica. A redução da endemicidade da malária numa região de transmissão só acontece com o tratamento precoce de todos os doentes, isto é, antes da formação dos tais gametócitos. Na malária por P. vivax eles aparecem em torno do 5º dia após o início dos sintomas e na malária por P. falciparum em torno do 10º dia. Esta estratégia não só impede que estes pacientes evoluam para a forma grave da doença, evitando o óbito, como também reduz a circulação destas formas plasmodiais que causam a infecção nos mosquitos transmissores. Identificar sorológicamente e tratar pacientes assintomáticos ou oligossintomáticos é igualmente importante, pois estes se constituem em reservatórios extras e ocultos de gametócitos que ajudam a manter a malária como endêmica. É o que acontece por exemplo, em regiões de Mata Atlântica no sudeste do Brasil, onde ainda registra-se a ocorrência de casos autóctones por P. vivax, que são confundidos com outras doenças por desinformação. É ilusório afirmar-se que o controle de mosquitos transmissores de malária na Amazônia representa a principal estratégia no controle da endemia, até porque um controle deste porte exigiria estratégias políticas, ecológicas, comunitárias e continentais. De pouco adiantaria reduzir momentaneamente a densidade de vetores com inseticidas se junto com estes estaríamos reduzindo também uma numerosa população de predadores naturais destes insetos. Necessário é que antes se avalie suas causas e a utilização de outras estratégias de recuperação ambiental. Deve-se privilegiar a recomposição do equilíbrio ecológico-ambiental permitindo que a própria natureza possa realizar seu papel, mantendo estes insetos em baixa densidade e quase incapazes de se envolverem em surtos ou epidemias. O uso de inseticidas só deveria ser utilizado em áreas urbanas ou peri-urbanas para responsáveis bloqueios de transmissão, devendo-se obedecer à critérios rígidos e seguros, a fim de que não se estabeleça um controle cego do problema. E mais ainda, não precisamos controlar ou erradicar os mosquitos transmissores de malária para se ter o controle da endemia, pois podemos perfeitamente conviver com sua existência, uma vez que, estes passam a ter importância secundária em regiões onde não existam casos ou em regiões onde os casos são prontamente diagnosticados e tratados, como em algumas regiões da extra-amazônia brasileira, onde a doença deixou de ser endêmica. Hoje estas regiões de transmissão interrompida, como o RJ por exemplo, estão vulneráveis à reintrodução da doença mais por pressão das áreas endêmicas mais próximas do que pela existência de mosquitos transmissores. As demais determinantes do ponto de vista epidemiológico são aquelas relativas: à automedicação, que contribui para o aumento da resistência do protozoário frente aos antimaláricos e aos episódios de recidiva da doença, além de outras complicações; à desinformação sobre a doença que representa a principal causa de óbito por malária no planeta; e à resistência aos inseticidas como resultado do uso indiscriminado ou sem critérios. Outras determinantes da endemicidade da malária no Brasil, em uma série histórica, e ao longo do último século foram e continuam sendo relatadas pelos nossos mais brilhantes sanitaristas brasileiros. A sensação é de que o controle da malária no país nunca foi prioridade, até porque ela apresenta valores sócioculturais-epidemiológicos diferentes para uma mesma região. Quem estaria preocupado com seu controle se ela é encarada como “gripe” na Amazônia e como malária no Rio de Janeiro ou São Paulo? À luz de tantos conhecimentos, nós brasileiros continuamos carecendo de explicações do porque a efetividade do controle da malária no Brasil não acontece. E já há algum tempo! Enfim, apresento-lhes abaixo esta série histórica e porque não dizer antológica relatadas por: Oswaldo
Cruz em 1912 , que dizia que: "Os elementos epidemiologicos, porém,
são sempre os mesmos e na Amazonia, como em toda a parte, acham-se
ao alcance de medidas muito capazes de attenual-os. O que ahi existe occasionando
immensa hecatombe e malsinando as condições naturaes de toda
a Amazonia, é a mais absoluta ausencia de assistencia medica e medicamentosa,
é o desconhecimento completo das medidas de prophylaxia individual
contra a malaria, é o abandono do proletario a um estado mórbido
perfeitamente attenuavel ou a fatalidade da morte por uma molestia perfeitamente
curavel. O que, emfim, constitue no vale do Amazonas a maior fatalidade
é esse desprezo pela vida humana da parte dos poderes publicos e
dos possuidores de seringaes, não existindo lá, onde a riqueza,
trazida pelos resultados de uma indústria extractiva, só
depende do trabalho humano, a noção exacta do valor de uma
existencia!" (Relatório sobre as condições
médico-sanitárias do vale do Amazonas. Rio de Janeiro: Typ.
do Jornal do Commercio, 1913, pág. 701);
Pelo
sanitarista Agostinho Cruz Marques, em 1986, que identificava a malária
de fronteira na Amazônia, oriunda da exploração desordenada
da região, dizendo que suas causas eram compostas por: "elevadas
densidade vetorial, exposição a vetores e transmissão
extradomiciliar, reduzida imunidade da população migrante,
reduzido conhecimento da doença, elevada proporção
de malária por P. falciparum, reduzida aplicabilidade de medidas
de controle convencionais, fraca presença de outras instituições,
reduzido senso de comunidade, elevada mobilidade populacional e marginalização
política..." (Rev. Bras. de Malariologia e D. Tropicais, vol
38, 1986);
Para Saber MaisMalária:
A Crise Global - Dr. Wanir José Barroso. Revista Saúde
& Vida On-Line
O autor é sanitarista, especialista em epidemiologia e controle de endemias pela Fiocruz/RJ. E-mail: wbarroso@netyet.com.br
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