Prof. Dr. Renato Sabbatini Na
pequena cidade de Mankato, no estado de Minnesota, nos EUA, existe um convento
com uma história muito diferente. As freiras que ali vivem e morrem
parecem atingir uma longevidade muito maior do que a população
em geral: a idade média é de 85 anos, e entre as 150 freiras
aposentadas, 25 tem mais de 90 anos, e 12 tem mais de 100 anos. Um dos
motivos, é claro, é que as freiras em clausura não
correm risco de morte reprodutiva, levam uma vida protegida, não
fumam nem bebem. No entanto, ocorrem coisas surpreendentes: a incidência
de doença de Alzheimer é muito baixa entre elas. Essa é
uma doença terrível, que mata as células cerebrais
do idoso, e altera radicalmente sua memória, comportamento e capacidade
de viver autonomamente. Está aumentando muito em todos os países,
pois ocorre mais em pessoas com idade superior a 70 anos. Portanto, com
o aumento geral de longevidade trazido pela medicina e pelo bem estar econômico,
tem se transformado em um sério problema de saúde pública
em alguns países, como nos EUA.
Quando
esse fato foi descoberto por um cientista da Universidade do Kentucky,
Dr. David Snowdon, ele foi estudá-las e descobriu que a longevidade
era maior entre as freiras que tinham educação superior,
ou que tinham alguma atividade mental constante, como estudo, leitura,
música ou pintura, ensino das mais jovens, etc.. Em outras palavras,
as freiras que exercitavam a sua mente e se mantinham ativas cerebralmente
viviam por mais tempo do que as que se "entregavam" à velhice, por
assim dizer, ou que tinham apenas atividades passivas e restritas do ponto
de vista intelectual, como cozinhar ou arrumar os quartos do convento.
Como ele mesmo disse, "a diferença estava em como elas usam suas
cabeças".
A
descoberta do Dr. Snowdon deu origem a um grande estudo científico.
As freiras concordaram em doar seus cérebros quando morressem, para
que fosse investigado se havia alguma diferença em relação
a cérebros de outras pessoas. Ao longo da última década
e meia, ele e sua equipe examinaram mais de 700 cérebros.
O que os cientistas descobriram? Até recentemente, achava-se que o cérebro era imutável. Os neurônios, que são as células cerebrais envolvidas em todas as funções nervosas, desde um simples movimento até o pensamento e a linguagem, não se reproduzem. Portanto, ao terminar o crescimento do cérebro, na infância, os neurônios começam a morrer gradativamente, e não são substituídos. Ao chegar a uma idade avançada, temos 25 a 30% menos neurônios que na adolescência, e em caso de doenças circulatórias e degenerativas do sistema nervoso central, como na doença de Alzheimer, essa devastação pode ser maior ainda, levando às alterações de memória, no sistema sensorial e motor, e na capacidade cognitiva dos idosos. Entretanto, algumas descobertas revolucionárias alteraram esse conceito. Os neurônios se caracterizam por ter prolongamentos, ou ramificações, extremamente finas, chamados dendritos, que são usados para fazer conexões com outras células cerebrais, formando assim os circuitos responsáveis pelas funções do cérebro. No córtex cerebral, onde estão as chamadas "funções superiores", como visão, audição, fala, inteligência, consciência, etc.,os dendritos de um neurônio fazem conexão com até 1.000 outros neurônios. Outras células, como no cerebelo, responsável pela coordenação dos movimentos e equilíbrio, essa relação pode ser de até 100.000 para um. Os cientistas descobriram que os dendritos podem crescer com o aprendizado. Uma neurocientista de Los Angeles, Dra. Diamond, estudou o cérebro de ratos que viviam em dois tipos de ambiente: um deles bem rico em sensações e experiências, com muitos brinquedos, bolas, rampas, escadas, objetos coloridos, etc.; e outro sem nada de especial. Além disso, testou os ratos que viviam sozinhos, quando comparados com ratos que viviam com outros companheiros na mesma gaiola. Ela descobriu que os neurônios do córtex dos ratos que tinham vivido em ambientes ricos ou em companhia social, tinham muito mais ramificações de segunda e terceira ordem nos dendritos, do que os ratos que tinham vivido em ambientes pobres. Aparentemente, portanto, o cérebro funciona como um músculo: quanto mais você usa, mais ele desenvolve conexões novas e cresce. A inatividade, por sua vez, acelera a perda de conexões e a diminuição dos dendritos. O Dr. Snowdon descobriu no cérebro das freiras que eram mais ativas intelectualmente na idade avançada, que algumas delas tinham sinais patológicos que indicavam que elas deveriam ter Alzheimer (são placas de uma substância amilóide e novelos de fios dentro das células, que não existem em neurônios normais, e que são responsáveis pela sua morte). No entanto, elas tinham poucos sintomas característicos, ou desenvolviam a doença muito mais tarde do que o usual. O médico diz que como essas freiras tinham muito mais ramificações neuronais e circuitos cerebrais mais ricos, eles compensavam a morte daqueles afetados pela Alzheimer. As freiras de Mankato acham que "cérebro desocupado é morada do diabo", e por isso se dedicam tanto a ocupá-lo. É um ditado muito verdadeiro, se imaginarmos que o "diabo", nesse caso, é a doença cerebral e cardiovascular, trazida pela inatividade e entrega tão características da maior parte dos idosos que vivem no Brasil. É uma grande tragédia, perfeitamente evitável. Iniciativas como a "Universidade da Terceira Idade", da PUCCAMP, ou o "Projeto Caminhar" da FEAC (Federação das Entidades Assistenciais de Campinas), estimulam o idoso a continuar a exercitar intensamente o seu cérebro, aprendendo e a ensinando. Os idosos têm tanta experiência de vida e conhecimento, e podem fazer tanto para melhorar nossa sociedade! Infelizmente, muitas vezes são deixados de lado, "arquivados", abandonados pela mesma sociedade, que, com falta de sabedoria, valoriza cada vez mais apenas os jovens. As descobertas da ciência estão mostrando que é perfeitamente possível continuar saudável e mentalmente ativo na velhice avançada. O aumento da longevidade média da população exige que os idosos sejam integrados mais intensamente na vida social, evitando o fantasma da aposentadoria, que mata tanta gente pela brusca mudança para a inatividade e para a sensação de inutilidade. Para Saber MaisSabbatini,
R.M.E.: Mente e doença,
Correio Popular,
p. 3, 22/8/96
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 29/9/2000. Autor: Email:WWW: http://www.sabbatini.com/renato/ Jornal: http://www.cosmo.com.br
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