O Direito à Segunda Opinião Médica

Prof. Dr. Renato Sabbatini


  • "Segunda opinião" é um termo usado pelos serviços médicos para designar uma consulta adicional com outro médico ou grupo de médicos, solicitada pelo paciente ou pelo profissional que o está atendendo. Devido ao nível crescente de conscientização e conhecimento dos pacientes a respeito de seus problemas de saúde, ao crescente nível de complexidade científica e técnica da medicina, e também aos problemas legais e econômicos associados à prática médica, as atividades de segunda opinião estão ficando cada vez mais importantes.

    A Internet e a WWW têm facilitado tremendamente a implementação de serviços on-line de segunda opinião, particularmente na área de laudos de imagens e de sinais, patologia, etc., pois nessas situações não se exige que o médico consultor entre em contato direto com o paciente. Muitos planos de saúde nos EUA já pagam por esses serviços dados pelos médicos consultores. Naquele país, a mamografia (radiografia das mamas, obtida para fins de diagnóstico de tumores, principalmente) é um bom exemplo de segunda opinião obrigatória, pois cerca de 25% das mamografias são interpretadas erroneamente. Como ela pode ser um importante fator na decisão de realizar uma cirurgia radical das mamas, a segunda opinião é altamente recomendável e até obrigatória. É um mercado de 35 milhões de exames e US$ 5 bilhões por ano. Com isso, surgiram muitas empresas e centros universitários, como a Medzeus e o Centro de Radiologia Mamária da Universidade da Carolina do Norte, especializados em segunda opinião em mamografia (custo: US$ 75).

    Hoje em dia, muitos pacientes estão procurando informação na Internet para checar se é correto o que seus médicos disseram em uma consulta ou atendimento. A Internet dá um acesso fácil e gratuito à muita informação biomédica, muitas vezes sendo uma espécie de "segunda opinião" acerca das recomendações dadas pelos seus médicos. Por exemplo, a base de dados on-line MEDLINE, que contém resumos de mais de 10 milhões de artigos de revistas médicas especializadas, pode ser acessada por qualquer um, e pesquisada usando-se palavras-chave. Os pacientes também podem acessar as mesmas fontes de informação e sites, como as últimas notícias sobre tratamentos de doenças, que seus médicos utilizam, dando aos pacientes uma maior percepção e controle sobre seus próprios problemas. Por outro lado, muitos médicos temem que os pacientes achem que sabem mais sobre as doenças do que eles, e que isto pode atrapalhar o tratamento. No entanto, apesar da facilidade de acesso, esses recursos on-line de diagnóstico e tratamento felizmente nunca substituirão o médico ou mesmo causarão uma diminuição no seu papel central que eles tem na atenção à saúde; ao contrário: eles o complementam e aumentam sua qualidade e segurança. É muito importante para os novos "portais" de saúde na Internet entender essa nova dinâmica, e como proporcionar serviços de informação médica em sintonia com as necessidades do mercado.

    Com tudo isso, é evidente que os médicos estejam se sentindo desafiados ou até ameaçados por essa postura mais ativista e agressiva dos pacientes. Vejo, entretanto, que essa "ameaça" pode ser uma excelente oportunidade para começar mudar drasticamente os papéis dos pacientes e dos médicos, e a natureza do seu relacionamento.

    Do ponto de vista do paciente, conseguir uma segunda opinião médica pode ser um processo laborioso, demorado e caro. Em alguns casos, planos de saúde nos EUA têm exigido uma segunda opinião antes de decidir por uma cirurgia eletiva cara, portanto se dispõe a pagá-la para o paciente. Na maioria das vezes, no entanto, condições de saúde ou doença pouco importantes são o motivo de uma segunda opinião, e nesses casos o paciente pode ser obrigado a arcar com os custos. Por isso muitos preferem fazer uma segunda consulta ou um segundo exame, por conta própria (o que não é a mesma coisa que uma segunda opinião, que é baseada sempre em algo já feito).

    Os médicos sabem que a segunda opinião é necessária muitas vezes, e que os pacientes se sentiriam mais seguros se pudessem obtê-la. O paciente, por sua vez, tem todo o direito de solicitar uma segunda opinião, independentemente da posição de seu médico. No Brasil, é muito comum o paciente ficar inibido e com medo de ofender o médico ao solicitar uma segunda opinião (aliás, com razão: alguns médicos sentem-se ofendidos, ao achar que o paciente está fazendo pouco caso de sua competência profissional). Com isso, a segunda opinião regulada é uma atividade pouco comum no País, e infelizmente muitos pacientes procuram outro médico sem contar nada para o primeiro, e depois ficam tentando tirar uma "opinião média", para a qual não têm a mínima competência, por serem leigos. Isso chega a ser perigoso, dependendo da doença.

    A prática de pedir uma indicação, ou dizer para o primeiro médico que o atendeu, que deseja uma segunda opinião, é muito importante e positivo, até mesmo pelo ponto de vista da ética. Como o paciente vai ter que dar resultados de exames, conclusões diagnósticas e terapêuticas, etc., elaborados pelo primeiro médico que o atendeu, é mais do que justo que este fique sabendo que isto está acontecendo e tenha o direito a saber também qual foi a segunda opinião dado pelo colega.

    Existem importantes fatores econômicos envolvidos na segunda opinião médica. Um sistema bem regulamentado deste tipo, se oferecido pelos planos de saúde, tem um bom potencial de diminuir os custos do tratamento, bem como a incidência de riscos e de erros. A segunda opinião através da Internet pode baixar esses custos ainda mais, por não exigir a viagem e a estadia do paciente. Alguns planos de saúde estão oferecendo o direito à segunda opinião a certos tipos de usuários do sistema (os planos de maior valor, por exemplo), muitas vezes com médicos e entidades da Europa e EUA. É uma estratégia bastante atraente em termos de marketing.

    A conclusão é que nossa cultura vai ter que mudar bastante ainda, antes que a segunda opinião seja uma atividade rotineira e livre de problemas e conflitos, como acontece nos países mais desenvolvidos. Para isso, é necessário dar mais força ao direito do paciente, que é o consumidor de serviços e produtos de um setor que ainda segue sendo largamente corporativista em nosso País.



    Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 14/04/2000.

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